O tema geração de emprego e renda teve enorme repercussão nas eleições deste ano. Nas falas dos candidatos e também pelos eleitores, principalmente na tela da TV sob o formato de um “Brasil que Queremos”. Afinal, um trabalho, um emprego, permite que a pessoa tenha um salário e, assim, possa sustentar a si mesmo e, na maioria dos casos, a família. Isso é elementar. Contraditoriamente, o presidente eleito Jair Bolsonaro anunciou, na última quarta-feira (7) que será extinto justamente o ministério que cuida do trabalho! Com quase 88 anos de existência, o Ministério do Trabalho poderá simplesmente ser incorporado a outra pasta, perdendo assim o status ministerial. Algo que nem os regimes mais autoritários que tivemos aqui tiveram a ousadia de fazer. Um espanto.
Durante toda sua trajetória, o Trabalho esteve presente em vários arranjos e nomenclaturas ministeriais, ou seja no primeiro escalão de um governo. Já esteve junto com Indústria e Comércio (1930), também com a Previdência Social (1960 e 2015), ou ainda com a Administração Federal (1992), sem jamais perder o protagonismo. Porém, na contramão dos discursos de campanha, o tema Trabalho acaba em um plano secundário do ponto de vista institucional no Governo Federal. Uma contradição e tanto em um momento em que as políticas públicas para geração de trabalho, emprego e renda são tão necessárias e urgentes. Os 12,5 milhões de desempregados no país, conforme dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que o digam.
Karl Polanyi (1886-1964), húngaro, filósofo, sociólogo, economista político e antropólogo econômico, deveria ser lido por nosso presidente eleito que quer uma economia liberal, fundamentada pelas regras de mercado. Polanyi diz que ao invés da economia estar embutida nas relações sociais, são as relações sociais que estão incrustadas no sistema econômico. Deixar uma instituição como o Ministério do Trabalho como uma mera secretaria de outro ministério que nem sabemos ao certo qual é, é um retrocesso como Polanyi previu: a sociedade humana torna-se apenas um acessório do sistema econômico.
Fui Secretário de Estado do Trabalho, Emprego e Economia Solidária nos anos de 2011 a 2014 e presidi, por duas vezes consecutivas, o Fórum Nacional de Secretários de Estado do Trabalho (FONSET) e tenho absoluta consciência da importância da relação entre capital e trabalho e de que maneira esse arranjo influencia a vida de todos os cidadãos brasileiros. Capital e trabalho não podem ser simplesmente colocados em um plano secundário pelo Governo Federal que preza tanto a geração de emprego e renda justamente eliminando a instância mais importante de mediação dessa relação tão complexa que é a do capital e do trabalho.
E foi no âmbito do FONSET e depois validada na Conferência Nacional do Trabalho Decente que surgiu a proposta da criação do Sistema Único do Trabalho-SUT, visando buscar a melhoria dos serviços prestados pelo Ministério do Trabalho, através do Sistema Nacional de Emprego-SINE com a padronização do atendimento ao trabalhador, a integração das políticas vinculadas ao mundo do trabalho, a definição clara de competências dos agentes operadores dessas políticas com transferência de recursos fundo a fundo, bem como a organização de sistemas de informações e pesquisas sobre o mundo do trabalho.
Hoje no Brasil são quase 1.500 agencias do SINE que desenvolvem atividades relacionadas com a concessão de benefícios do seguro desemprego, a intermediação de mão de obra, a orientação profissional, a aprendizagem, as ações vinculadas à inspeção do trabalho, a mediação de conflitos e registros de empresas e sindicatos e a Economia Solidária e estas ações estarão integradas neste Sistema.
Pois vejamos, sem o Ministério do Trabalho, o trabalhador, perde logo de cara, as políticas e diretrizes para geração emprego e renda e de apoio ao trabalhador. Política para modernização das relações de trabalho? Esqueça. Fiscalização do trabalho, com aplicação de sanções em caso de descumprimento das normas legais, para quê? Política salarial não tem mais utilidade, ou ainda, a segurança e saúde no trabalho são meros enfeites. Ou seja, o primeiro a perder nesta complexa relação capital e trabalho é você mesmo que está lendo este artigo.
Mudamos da economia agrícola para a industrial sob a égide de um Ministério do Trabalho atuante, assim como as estruturas replicadas nos estados da federação, por meio das secretarias estaduais de Trabalho. O desenvolvimento econômico só é pleno se acompanhado, ao mesmo tempo, com mecanismos de proteção física e mental dos trabalhadores. Onde está escrito isso? Oras, na Constituição Federal, que completou 30 anos nesta última semana, mais especificamente em seu artigo. 3°: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades e a promoção do bem geral, sem discriminações.
Então, senhor presidente eleito, este é o único norte possível na condução de seu governo que ainda nem começou e já está cheio de contradições e idas e vindas. E nem começou ainda. Mas há tempo de corrigir e espero ajudar com esta minha contribuição sobre a questão do trabalho, que venho acompanhado de perto desde que iniciei minha vida pública no final dos anos 70, na luta pela redemocratização e por justiça social.
Eu posso discorrer ainda mais sobre o quão complexa é a relação entre capital e trabalho, e os consequentes desequilíbrios que este rebaixamento de status ministerial da pasta do Trabalho para uma mera secretaria invisível dentro da burocracia federal. Mas temos outro problema ainda mais sério: corremos seriamente o risco de violação de compromissos internacionais.
O Brasil vai ficar na contramão em todo o mundo, com a extinção do Ministério do Trabalho. Estaremos negando a Declaração da Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência multilateral da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento, de 1998. Extinguir o Ministério do Trabalho implica no não cumprimento do artigo 26, sobre o Desenvolvimento Progressivo – conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas e sociais – do Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário. O Pacto é nada menos que a Convenção Americana de Direitos Humanos.
Sob o risco iminente de um retrocesso retumbante internamente e internacionalmente, levo um conselho ao presidente eleito Jair Bolsonaro: ainda há tempo de rever seus conceitos.
No entanto, estamos diante de uma escolha soberana dos eleitores brasileiros, resta-me, quanto a esta escolha de extinção do Ministério do Trabalho, desejar-lhe discernimento e sorte, mesmo contrariando minha experiência e convicção pessoal.