Casa da Mãe Joana

“Numa época de mentiras universais,
dizer a verdade é um ato revolucionário”

George Orwell

Por Luiz Claudio Romanelli *

O dito popular Casa da Mãe Joana nunca explicitou tão exemplarmente o momento vivido pelo Brasil. A expressão teve origem na França do século XIV em razão das atitudes da permissiva rainha de Nápoles, que se refugiou na cidade de Avignon após ser acusada de matar o marido, e onde estabeleceu normas para estimular o funcionamento dos prostíbulos.

A narrativa chegou ao Brasil e passou a significar o lugar onde cada pessoa faz o que bem entende, sem respeitar nenhum tipo de regra. Ao longo do tempo, cristalizou-se o sentido de que a Casa da Mãe Joana é um lugar em que vale tudo, com grau zero de organização.

Menciono isso em razão da confusão instalada no País em torno do enfrentamento da covid-19. Necessário lembrar os erros cometidos pelo governo federal ao desconsiderar a importância da imunização, descartar a compra antecipada milhões de doses de vacinas e insistir na negação dos graves efeitos da doença.

Como resultado, contamos 360 mil mortes até o momento, com tendência de alta. Fomos capazes de produzir variantes do vírus, que assustam o mundo, e praticamente todos os países fecham as portas à entrada de brasileiros que não comprovem imunização. Por enquanto, barram pessoas. Mais adiante, talvez impeçam a chegada de nossos produtos de exportação.

Este ciclo negativo não será suspenso no curto prazo. A vacinação segue lenta, porque não há doses disponíveis. Estamos no fim da fila de vendedores internacionais. Temos que lidar ainda com suspeitas em relação à produção doméstica. Várias cidades questionam o volume dos frascos que saem do Butantan. A Fiocruz não explica a razão do atraso na entrega dos lotes prometidos.

Espero, sinceramente, que este cenário não se concretize.
[…] é preciso insistir para que a nossa maior liderança
deixe de adotar atitudes disfuncionais.
O risco é a Casa da Mãe Joana cair de vez

Com o número de infectados e de mortes em alta, ainda temos o risco de colapso no sistema médico-hospitalar. Chegamos ao vergonhoso ponto de não contar com oxigênio e conviver com o iminente risco de falta da medicação necessária para manter pacientes intubados.

O certo é que começamos mal no enfrentamento da pandemia e estamos cada vez pior. Esta Casa da Mãe Joana continua sem regras. Ou pior, segue as normas ditadas pelo presidente Jair Bolsonaro, que virou especialista em fake news e de maus exemplos de comportamento.

Insiste em não usar máscara, prega a aplicação de medicação sem comprovação de eficácia, nega o benefício do distanciamento social e alimenta o confronto entre seus seguidores e todos aqueles que, com responsabilidade, se opõem às suas atitudes.

O argumento de proteger a economia e empregos se esfarela a cada semana e a cada pesquisa que demonstra os reflexos da pandemia sobre a vida real dos brasileiros. O País deve fechar o semestre com taxa de desemprego próxima de 17%, sem possibilidade de regressão em 2021.

A pandemia à moda brasileira vai elevar a taxa de juros e manterá alta a cotação do dólar. Vai impactar a dinâmica econômica, aumentar o déficit público e o risco Brasil, além de reduzir o volume de investimentos privados. O nível de pobreza vai crescer, aumentando a legião de brasileiros que já vive à beira da fome.

Espero, sinceramente, que este cenário não se concretize. Que possamos nos recuperar rapidamente e renovar as esperanças da nação em dias melhores. Mas é preciso insistir para que a nossa maior liderança deixe de adotar atitudes disfuncionais. Sem isso, continuaremos a viver sob adversidades, saltando obstáculos. O risco é a Casa da Mãe Joana cair de vez.

* O autor é advogado especialista em Gestão Urbana,
deputado estadual e vice-presidente do PSB do Paraná

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