Ainda não há como mensurar todos os prejuízos causados pela greve dos caminhoneiros que paralisou o país. A Federação das Indústrias do Paraná estima um prejuízo de R$ 3 bilhões às mais de 50 mil indústrias do Paraná. Os analistas da entidade afirmam que entre 70% e 80% dessas empresas chegaram a interromper completamente a produção.
Já segundo a Ocepar, as cooperativas do Paraná deixaram de abater diariamente 12.700 suínos, 2,3 milhões de frangos e 180 mil tilápias. Além disso, outros 3 milhões de litros de leite por dia não foram industrializados. Vinte e cinco unidades frigoríficas de cooperativas tiveram as atividades suspensas durante o bloqueio nas estradas do Estado. Cerca de 50 mil funcionários foram dispensados durante a greve. Os técnicos do Sistema Ocepar, estimam um prejuízo de R$ 1 bilhão para o agronegócio paranaense.
Aos poucos o Paraná e o Brasil retomam a normalidade, mas é certo que a greve expôs um governo frágil e inepto- que não soube avaliar a dimensão e as consequências da greve, demorou a negociar e no fim das contas, teve que atender a todas as reivindicações dos manifestantes (redução do preço do diesel por dois meses, tabela de preços para o frete, fim da cobrança nos pedágios sobre eixo suspenso de veículos que circularem vazios etc).
O fundamental, que seria rever a política de preços da Petrobras, porém, não fez. Pedro Parente caiu, mas em compensação, a Petrobras anunciou mais um reajuste de 2,2% na gasolina e álcool. Já havia dito aqui que o governo anunciaria cortes orçamentários que atingem importantes políticas públicas, como saúde e educação.
Mas além dos prejuízos aos produtores rurais e industriais, da falta de habilidade do desgoverno Temer, a greve expos algumas outras mazelas, como a dependência do país do sistema rodoviário. O Brasil é o país que mais depende de rodovias no mundo. A greve revelou que o país é um pesadelo logístico.
Com os caminhões parados, o Brasil parou– os postos ficaram sem combustível, os supermercados sem alimentos, os hospitais sem medicamentos e insumos.
Mas como poderíamos evitar a dependência do transporte rodoviário e garantir o abastecimento de alimentos?
Elisabetta Recine, presidente do Consea e professora da Universidade de Brasília, em artigo no Le Monde Diplomatique, faz um alerta sobre os processos de produção e comercialização de alimentos no Brasil.
Segundo ela, a crise de desabastecimento provocada pela greve dos caminhoneiros prova que o país paga um alto preço pelo modelo que privilegia a grande produção e as grandes redes varejistas.
“O sistema alimentar hegemônico se organiza a partir da lógica do circuito longo de produção e consumo. No circuito longo, a produção em grande escala está diretamente associada a um sistema complexo de logística que geralmente envolve percursos extensos e concentração do varejo em grandes unidades.
Sem consertar as causas, não há como tratar as consequências. A insegurança no abastecimento gerada pelo movimento dos caminhoneiros demonstrou a urgência da adoção de uma política de abastecimento alimentar capilarizada que fortaleça os circuitos curtos de produção e consumo. Os circuitos curtos estabelecem o contato, com poucas etapas, algumas vezes nenhuma entre produtor e consumidor. A comercialização é feita em feiras, lojas de associação de produtores, venda direta para grupos organizados, cestas entregues em domicílio, entre outras formas de comercialização. Permitem reforçar o aspecto público e a valorização de pequenos produtores, produtores agroecológicos e orgânicos e cooperativas”, analisa.
A adoção do circuito curto de alimentos usa a produção de pequeno porte diversificada e promove uma circulação regional, baseada fundamentalmente na agricultura familiar.
Como secretário do Trabalho, coordenei no Paraná o Programa de Aquisição de Alimentos- PAA Compra Direta, um projeto fantástico para promover o acesso à alimentação e incentivar a agricultura familiar.
O programa compra alimentos produzidos pela agricultura familiar e os destina às pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional e àquelas atendidas pela rede socioassistencial. Em menos de quatro anos, de 2011 a 2014, o PAA Compra Direta alcançou mais de R$ 85 milhões no Paraná, em investimentos na compra de alimentos da agricultura familiar distribuídos a entidades como asilos, hospitais públicos, creches, Apaes, Provopar, associações de proteção à maternidade e infância. Foram cerca de 15 mil agricultores familiares beneficiados, em 309 municípios e mais de 4 mil entidades atendidas. O programa alcançou 1,3 milhão de pessoas.
Como muitos outros programas de grande alcance social, também o PAA Compra Direta sofreu brutais cortes orçamentários no desgoverno Temer e o programa foi praticamente extinto.
Aqui no Paraná foi diferente. No ano passado, o governador Richa criou o Compra Direta Paraná, com um investimento de R$ 15 milhões, mas infelizmente o programa segue paralisado na teia burocrática da SEAB , e poderia estar beneficiando os agricultores familiares e as entidades assistenciais. Espero que o novo Secretário da Agricultura desate o nó.
Como diz a presidente do Consea, “alimentar milhões de brasileiros passa por fortalecer a conexão entre a cidade e o campo. Pensar a segurança alimentar e nutricional é pensar no acesso, distribuição, disponibilidade, consumo e, portanto, formas de abastecimento. É estimular a diversificação de culturas. É buscar a readequação da legislação sanitária de alimentos de origem animal e bebidas à produção artesanal, tradicional e familiar. É fortalecer o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. É garantir do acesso à terra e ao território, requisito fundamental para a redução das desigualdades no campo brasileiro e para a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada”.
Boa Semana! Paz e Bem!
*Luiz Cláudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, ex-secretário da Habitação, ex-presidente da Cohapar, e ex-secretário do Trabalho, é deputado pelo PSB. Escreve sobre Poder e Governo.