O Capital venceu o trabalho
Luiz Claudio Romanelli*
“A igualdade pode ser um direito, mas não há poder sobre a terra capaz de a tornar um fato.” Honoré de Balzac
Os trabalhadores brasileiros acabam de sofrer o mais grave ataque aos seus direitos desde o advento da Constituição de 1988, com a aprovação relâmpago do projeto de lei que precariza as relações de trabalho em nossos país. A terceirização vai desestruturar o mercado de trabalho e piorar as condições de vida dos trabalhadores
O presidente Michel Temer sancionou na noite de sexta-feira passada, com três vetos parciais, o projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados que libera a terceirização das atividades fim em todos os setores. O principal veto foi ao parágrafo terceiro, do artigo 10, que previa a possibilidade de prorrogação do prazo de 270 dias dos contratos temporários mediante acordo ou convenção coletiva.
Outro veto foi ao artigo que obrigaria o registro na carteira de trabalho da condição de temporário. O terceiro artigo vetado assegurava aos trabalhadores direitos equivalentes aos funcionários que trabalham na mesma função na empresa. Segundo o Palácio do Planalto, os artigos 11 e 12 foram vetados porque repetiam itens que já estão no Artigo 7 da Constituição Federal.
O projeto estava engavetado havia quinze anos na Câmara. Foi ressuscitado a pedido do Palácio do Planalto e articulado pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A proposta de terceirização em todos os setores da economia foi enviada ao Congresso Nacional pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso em 1998 e havia sido retirado da pauta em 2003, a pedido do presidente Lula.
A aprovação a toque de caixa do projeto uniu juízes do Trabalho e centrais sindicais, que se manifestaram contra a proposta. E produziu um racha na base governista no Senado, depois que o líder do PMDB, Renan Calheiros manifestou-se publicamente contra o projeto, qualificando a medida de boia fria pontocom. Renan mobilizou outros oito senadores peemedebistas que divulgaram uma carta pedindo ao presidente que não sancionasse o projeto aprovado pela Câmara.
As seis maiores centrais sindicais do País (CSB, CTB, CUT, Força Sindical, NCST e UGT) enviaram manifesto ao presidente pedindo o veto integral ao projeto de lei. No texto, as centrais destacam que o tema da terceirização já foi objeto de profundo debate na Câmara dos Deputados e se encontra atualmente no Senado (PLC 30) “para que o devido tratamento legislativo naquela Casa aperfeiçoe aspectos fundamentais, tornando-a uma legislação efetivamente moderna e protetora”.
Para Germano Silveira, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), os deputados aprovaram “o pior projeto possível”. Em entrevista a Carta Capital e a BBC Brasil, ele diz que “serão milhões de trabalhadores a não receber o que lhes é devido. Os salários serão mais baixos, com pouca proteção jurídica, aumenta a possibilidade de restringir férias e 13º, e cresce a quantidade de acidentes de trabalho”.
Ainda segundo o magistrado, o projeto diminuirá muito a quantidade de concursos públicos. “Agora, nada impede que o prefeito, governador, ou mesmo no âmbito da União, destine suas atividades a empresas prestadoras de serviço terceirizado, como na Caixa Econômica, no Banco do Brasil, e na Petrobras. Isso por si só já é um absurdo, mas há outro maior: pode servir de instrumento para o nepotismo e o clientelismo”.
Acredito que o projeto aprovado pelos deputados federais vai provocar a precarização das condições de trabalho. Como ex-secretario do Trabalho do Paraná, afirmo com toda a convicção que grande maioria dos direitos dos terceirizados é desrespeitada. Na prática, são “trabalhadores que são tratados como de segunda classe”. Os terceirizados ganham menos, tem jornadas maiores, sofrem mais acidentes de trabalho e apresentam maior taxa de rotatividade em comparação com trabalhadores formais.
Um estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos- Dieese- corrobora que terceirizados são tratados como cidadão e trabalhadores de segunda classe. Segundo nota técnica do Dieese, em 2014 havia 12,5 milhões de vínculos ativos nas atividades tipicamente terceirizadas e 35,6 milhões nas tipicamente contratantes.
O estudo mostra que o rompimento dos vínculos trabalhistas entre os terceirizados é muito maior. A cada 100 contratos formais com CLT, pouco mais de 40 foram rompidos. Já nos setores tipicamente terceirizados, essa relação é de 100 vínculos ativos para 80 rompidos.
A nota técnica “Terceirização e precarização das condições de trabalho” revela que terceirizados ganham em media entre 23% e 27% menos do que trabalhadores formais. O estudo mostra que em dezembro de 2014, a remuneração média nas atividades tipicamente contratantes era de R$ 2.639,00 enquanto nas atividades tipicamente terceirizadas era de R$ 2.021,00.
A taxa de rotatividade é duas vezes maior nas atividades tipicamente terceirizadas (57,7%, contra 28,8% nas atividades tipicamente contratantes).
Em relação à jornada de trabalho, a nota técnica mostra que 85,9% dos vínculos nas atividades tipicamente terceirizadas possuem jornada contratada na faixa de 41 a 44 horas semanais contra 61,6% nas atividades tipicamente contratantes.
O estudo conclui que caso haja uma regulamentação irrestrita da terceirização “poderá haver uma piora na própria distribuição de renda no país, além de aumento da insegurança entre os trabalhadores, num momento de agravamento da recessão e em que o governo federal propõe reformas institucionais restritivas de direitos, como a previdenciária e a trabalhista”.
O país tem mais de 13,5 milhões de desempregados e a opção do presidente Temer foi ceder aos interesses dos empresários e expor os trabalhadores a um cenário com menos direitos e sem garantias sociais.
A ampliação da terceirização na verdade é mais uma ameaça aos trabalhadores formalizados porque não há nenhuma garantia de que o empregador não dispense o seu empregado direto e o contrate em seguida em uma empresa prestadora de serviços ou como pessoa jurídica, que passa ser permitido pela nova lei, é um fenômeno chamado de pejotização, uma forma de burlar a legislação trabalhista.
Não há nada na lei sancionada pelo presidente que impeça que um grande banco ou uma grande indústria se livre de todos os seus empregados, com a terceirização de todas as funções.
A expansão da terceirização significa a possibilidade imediata de rebaixamento dos salários dos trabalhadores e a perda de direitos sociais.
A lei não traz nenhuma segurança jurídica aos trabalhadores terceirizados, já que prevê que empresas contratantes dos serviços terceirizados têm apenas responsabilidade subsidiária às empresas prestadoras de serviço.
Caso a empresa prestadora do serviço deixe de pagar benefícios dos empregados, os trabalhadores não podem acionar imediatamente a empresa contratante na Justiça.
Terão que primeiro acionar apenas a empresa prestadora do serviço. Para receber seus direitos, o trabalhador vai demandar na Justiça durante anos e anos.
A terceirização não vai reduzir o desemprego. Segundo o economista José Dari Krein, professor do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, da Unicamp, a tendência é que a terceirização também das atividades fim reduza empregos: “A tendência é rebaixar salários, os trabalhadores vão ganhar menos. Ao diminuir a renda das pessoas, elas vão comprar menos, e os empresários vão começar a vender menos, ou seja, a indústria vai ter menos demanda, vai produzir menos, vai gerar menos emprego. Essa medida reforça a lógica recessiva da economia”, explica.
O único fator que de fato gera emprego é o crescimento econômico. A terceirização somente trará mais precarização nas relações de trabalho no país. A corda, mais uma vez, vai arrebentar para o lado do trabalhador.
Em tempo, parabéns a dois vitoriosos nas urnas deste domingo: Adelita em Quatiguá e Zé Sandrini em Pirai do Sul, a eles desejo sucesso e muita perseverança para vencer os enormes desafios que terão pela frente.
Boa semana, paz e Bem!
*Luiz Claudio Romanelli é líder do governo na Assembleia Legislativa do Paraná.