O dilema de Temer
Luiz Cláudio Romanelli*
“A mudança é a lei da vida. E aqueles que apenas olham para o passado ou para o presente irão com certeza perder o futuro”. John Kennedy
Os primeiros dez dias de Temer na presidência mostram mais do mesmo, erros e acertos. Verdade seja dita, acertou ao escolher Henrique Meirelles para a Fazenda. Ex-presidente do Banco Central nos dois mandatos de Lula, o ministro montou uma boa equipe e assumiu defendendo o controle de gastos para melhorar as contas públicas, proporcionar estabilidade na relação dívida/PIB e aumentar a receita e a confiança de investidores na economia brasileira.
Mas, se de um lado o presidente interino fez escolhas acertadas na área econômica, de outro manteve a velha prática de loteamento dos cargos entre os partidos. O resultado foi um ministério pífio.
O ministério Temer, como bem definiu a jornalista Eliane Brum em artigo publicado pelo jornal El País, na sua versão em português, intitulado “Temer e a Casa Grande se iludem”, não representa o Brasil de hoje. E sequer representa os que foram às ruas pedir o impeachment, bradando por mudanças, uma nova política.
Estão lá os velhos clãs políticos, como os Sarney, os Barbalho, os Bezerra. Há os investigados pela Lava Jato, os que até ontem estavam com Dilma e a traíram, os que estiveram em todos os governos, de FHC até Dilma, “Notáveis não há. Mas, como se viu, há notórios”, afirma a jornalista. Na mosca.
Não há um fio condutor político e ideológico a nortear as ações dos ministros, tanto que, mal sentaram na cadeira, vários deles saíram falando disparates. A tal ponto que Temer foi obrigado a impor uma espécie de silêncio obsequioso aos ministros, para evitar novas gafes e declarações atrapalhadas.
Mas apenas evitar que os ministros saiam falando besteiras, é pouco. O presidente interino precisa, literalmente, enquadrar o ministério. Porque a julgar pelas primeiras falas e ações de alguns, o que vemos aí é o retrocesso de políticas públicas, especialmente sociais, uma guinada radical à direita.
Na terça-feira (17), o novo ministro das Cidades, Bruno Araújo, barrou a construção de 11.250 unidades habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida. Na sexta (20), anunciou a suspensão total de novas contratações do programa, para “ avaliação e aprimoramento”.
A sinalização dessa mudança à direita já havia sido dada, quando Temer colocou em segundo plano, como se fossem acessórias, a cultura, os direitos humanos, a igualdade racial, os direitos de mulher, ao fundir ministérios e extinguir secretarias sem um mínimo de planejamento e estudo prévio.
De qualquer forma no final de semana diante das manifestações e mobilização da classe artística, Temer recuou e recriou o Ministério da Cultura.
Alguém aí tem alguma dúvida sobre quem serão os perdedores com essa virada, com a dita “ revisão” de políticas públicas inclusivas e de longo alcance social?
Foi para isso que Temer e os que o apoiaram tomaram o poder? Para que, novamente, sejam vilipendiados os direitos da imensa maioria de brasileiros que ganham menos de 3 salários mínimos?
Há, ainda, outras questões, tão graves quanto. Temer, ao que parece, também virou refém de Eduardo Cunha. Como alguém como André Moura (PSC-SE) pode ser o líder do governo na Câmara, ao invés de um parlamentar do PMDB, do PSDB ou do DEM?
A explicação para sua escolha é só uma: foi escolhido pelo “centrão”, o aglomerado de parlamentares que age sob o comando do presidente afastado da Câmara.
Para quem não sabe, reproduzo a definição do colunista Josias de Souza, da Folha, sobre o novo centrão: “o grupo tem a grandeza da vista curta e é movido a interesses mesquinhos. Integram-no partidos que apoiaram os governos petistas e traíram Dilma no impeachment — legendas como PP, PR, PSD, PRB, PSC, PTB, SD, PHS, PROS, PSL, PTN, PEN… Isolados, piam pouco. Juntos, gritam muito”, escreveu Josias.
Ao que parece, Temer não ousará contraria-los. Mas deveria, porque se não o fizer sofrerá o mesmo cerco que Dilma.
O presidente interino, a meu ver, tem um dilema pela frente. Ou estabelece sua autoridade e dá ao governo uma linha de ação clara, progressista e moderna, ou passará para a história como o presidente que, mesmo tendo todas as condições para fazer um bom governo, preferiu virar as costas para o povo e se rendeu aos interesses inconfessáveis dos mesmos de sempre.
Bem, pelo li no final de semana, vem muito mais por aí, direitos importantes dos trabalhadores serão atingidos. Vamos esperar, e reagir.
Os batedores de panelas tinham a vã ilusão de que bastaria apear a presidente Dilma do poder para que o Brasil acordasse renovado, tal qual uma fênix ressurgindo das cinzas. Acharam que Temer, como prometido no seu discurso inaugural, poderia fazer um governo de salvação nacional. A continuar assim, será um governo que trará mais insatisfação, o acirramento da luta de classes e o sério risco de ainda mais conflito.
Paz e bem é uma ótima semana a todas e todos.