E agora, Michel?
Luiz Cláudio Romanelli*
“E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou,
e agora, José? E agora, você?”
O poema “José” foi escrito por Carlos Drummond de Andrade em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, quando o Brasil vivia sob a ditadura de Vargas. Nele, o poeta reflete sobre o sentido da vida em tempos de guerra e diante do conturbado momento histórico nacional. Mostra a angústia, desalento e a desesperança do homem comum diante daqueles tempos sombrios.
Tal qual José, acredito que todos que acreditam no Estado Democrático de Direito, vivem hoje um momento de profundo ceticismo e perplexidade pelos acontecimentos deste domingo.
Acreditamos que a esperança havia vencido o medo para descobrir que o cinismo e a canalhice dissimuladas é que prevalecem.
A decisão de ontem implica em retrocessos em termos políticos, sociais e econômicos para o país e põe em risco a democracia brasileira.
Foi um golpe parlamentar contra uma presidente eleita pelo voto popular- que não responde a nenhum processo na Justiça — perpetrado por uma Câmara dos Deputados onde há 224 deputados que respondem a algum tipo de processo judicial e que é presidida por um réu indiciado pelo Supremo Tribunal Federal pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Deplorável o papel do PMDB nesse processo. O vice presidente Michel Temer conspurcou a própria biografia ao conspirar abertamente para destituir a presidente da República da chapa pela qual se elegeu.
Como bem lembrou Lula, em vídeo divulgado, falando sobre Temer : “quem trai um compromisso selado nas urnas não vai sustentar acordos feitos nas sombras”.
Como Temer fará para administrar o apetite pantagruélico dos 3/5 dos membros do parlamento, grande parte integrante da base de apoio ao atual governo, além do PSDB e DEM, PPS e outros mais?
Cabe ao Senado desmontar essa farsa encenada por vingança do presidente da Câmara Federal com apoio de grandes grupos de mídia e suas práticas de acusação seletiva.
Acredito, que tanta desfaçatez já tenha até colocado uma pulga atrás da orelha do Juiz Sérgio Moro, pois se o Eduardo Cunha conseguiu fazer isso com uma presidente legitimamente eleita pelo povo, creio que deve achar que o céu é o limite.
Não há prazo definido em lei para a instalação da comissão especial do Senado que analisará a denúncia, mas creio que diante da grave polarização política, que desencadeou atos de intolerância e ódio e manifestações de violência em todo o país, o Senado agirá rapidamente.
Tal e qual na Câmara, a comissão deve emitir um parecer a favor ou contra a instauração do processo, que será encaminhado ao plenário para uma votação e só continua se 41 dos 81 senadores concordarem com ele.
Se for aprovado, o processo é formalmente instaurado e a presidente é afastada por um período de 180 dias e o vice-presidente Michel Temer assume o cargo como presidente interino até o encerramento do processo. O impeachment só será aprovado se dois terços dos senadores (54 dos 81) votarem a favor.
Acredito que ao analisar o mérito do pedido de impeachment, o Senado entenderá que a vontade soberana do povo não pode ser mudada por um impeachment ilegal que afronta a Constituição brasileira.
Voltemos a Drummond e a seu poema “ Mãos Dadas” ( 1940):
“Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”.
Em tempo: Não sei como alguns têm a coragem em enfiar Deus e a família para justificar suas contradições.