(*) Luiz Claudio Romanelli
“Confiar missões diplomáticas a parentes próximos foi sempre utilizado por reis e ditadores”. Luigi Bellodi
Havia muitos anos, creio que desde a constituinte, a Câmara dos Deputados não exercia o protagonismo na política brasileira como vimos esta semana com a aprovação da reforma da previdência. Muito embora eu seja um crítico dessa reforma, que penaliza os mais pobres, por outro lado tenho que reconhecer que o Parlamento brasileiro vive um momento histórico, enquanto que o nosso presidente parece que vive no mundo da Lua.
Em artigo recente, em que analisei a estagnação econômica, afirmei que o país está em compasso de espera, enquanto o presidente desfia bobagens e desaforos mundo afora. “Dia sim e outro também o presidente brasileiro causa espanto e é, infelizmente, motivo de chacota”, escrevi.
Pois dia-a-dia fica mais claro que o país está à deriva e à mercê de um total despreparado para o exercício do cargo.
A última de Bolsonaro causou uma onda de indignação e, novamente, o presidente brasileiro virou piada. Pior: a política do Ministério das Relações Exteriores causa espanto e preocupação porque tem se alinhado ao que há de mais retrógrado no mundo.
Nas últimas votações na ONU, o Itamaraty apoiou ideia do Paquistão de eliminar educação sexual de resolução da ONU e defendeu proposta de declarar que não existem direitos sexuais e reprodutivos. O Itamaraty adotou uma nova postura internacional, em que mistura religião à política externa.
Como frisa o jornalista Jamil Chade, correspondente internacional há mais de 20 anos e que trabalha na sede da ONU em Genebra, “aliado aos piores regimes do mundo em direitos humanos, parceiro de governos que questionam as mudanças climáticas, membro de movimentos racistas, incapaz de desenhar a fronteira entre religião e estado laico, o governo do Brasil não é apenas ridicularizado. Hoje, é também alvo de enorme preocupação internacional”.
Essa preocupação só aumentou diante da possibilidade de Bolsonaro indicar o filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, como embaixador nos Estados Unidos.
“Cuma?”, questionaria o personagem Carlo Bronco Dinossauro, vivido pelo comediante Ronald Golias no humorístico Família Trapo, sucesso na tevê brasileira no século passado- quando a política brasileira não era dominada por parlapatões.
Embora a indicação do Zero Três para a embaixada em Washington pareça enredo de comédia televisiva, não é. Há meses o posto mais importante da diplomacia brasileira está sem titular. É que Bolsonaro aguardava o filho completar 35 anos, idade mínima exigida para embaixadores, para indica-lo ao posto.
O Zero Três completou a idade mínima na última quarta-feira (10) e questionado sobre a possibilidade declarou que fala inglês e espanhol e é o deputado mais votado da história do país.
Em entrevista, o filho do presidente disse: “Já fiz intercâmbio, já fritei hambúrguer lá nos Estados Unidos, no frio do Maine, estado que faz divisa com o Canadá. No frio do Colorado, numa montanha lá, aprimorei o meu inglês, vi como é o trato receptivo do norte-americano para com os brasileiros”, afirmou Eduardo.
Não foi à toa, portanto, que o deputado Eduardo tenha sido o único político a acompanhar o pai no encontro reservado com o presidente Donald Trump.
Bolsonaro já vinha acalentando a ideia de emplacar o filhote na embaixada norte-americana e apenas aguardava que completasse a idade exigida pela legislação.
Não existe precedente na história da diplomacia brasileira da nomeação de filho de presidente para uma embaixada. É uma ousadia impensável em qualquer regime democrático.
Embora Eduardo Bolsonaro presida a Comissão de Relações Exteriores da Câmara, ele não tem nem experiência nem as qualificações necessárias para ocupar posto tão relevante, que normalmente é ocupado por um embaixador de carreira, com vasta experiência em relações internacionais.
Mas já está provado que não vivemos tempos normais.
A intenção do presidente humilha a diplomacia brasileira, Como analisou o jornalista Hélio Gurovitz, no G1, “um embaixador precisa conhecer a fundo as relações políticas e comerciais entre os dois países, ter experiência em negociações e na administração de contenciosos. No caso americano, em que está na mesa uma proposta de acordo de livre-comércio, também precisaria ter intimidade com as demandas da indústria e do agronegócio”.
Eduardo terá que passar pela sabatina obrigatória na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado e aprovado pelo plenário. As duas votações são secretas.
Em 2015, o diplomata Guilherme Patriota, irmão do ex-chanceler Antônio Patriota, indicado pela então presidente Dilma para a representação do Brasil na Organização dos Estados Americanos (OEA), não foi aprovado.
O X da questão é se o Senado vai ceder à vontade do presidente ou se vai peitar Bolsonaro, reagir a esse absurdo e rejeitar o Zero Três.
(*) Luiz Claudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, é deputado estadual pelo PSB do Paraná.