É preciso estar atento e forte

“Da ditadura eu tenho ódio e nojo” Ulisses Guimarães

O governo do presidente Jair Bolsonaro completa 90 dias neste 1º de abril sem uma única ação concreta em favor do País que seja digna de lembrança e busca disfarçar sua própria inação, incompetência e desmazelo com factoides, ações destrambelhadas e, sobretudo, uma insidiosa guerrilha ideológico-cultural que extravasa pelas redes sociais, em grande prejuízo ao Brasil.

Muito das características deste embate permanente sustentado pelo presidente e seus seguidores foram suas declarações estimulando comemorações pelo aniversário do golpe de 31 de março de 1964.

Não adianta fantasiar, comemorar ou rememorar é a mesma coisa. O golpe de 1964 pode ser chamado do que quiserem: de “golpe militar”, “de revolução”, “a redentora”, etc.

É um fato histórico e nenhuma nova narrativa vai modificar isso. O que causa espécie é que em pleno Estado Democrático de Direito, se proponha atos nos quartéis que atentem contra a verdade. O fato em si é tão grave que uma simples ordem de serviço emitida pelo presidente da república para ser lido nos quartéis questionando a história assustou a todos que acreditam na democracia.

Não é isso que o Brasil precisa e não é isso que vai resolver uma questão crucial neste momento: criar postos de trabalho para mais de 13 milhões de brasileiros desempregados. O povo quer paz, trabalho e políticas públicas consistentes para educação, saúde, segurança, habitação e transporte público. Quer a retomada do crescimento, geração de emprego e renda. Votou em Bolsonaro na expectativa de que, eleito, cumprisse seus compromissos.

E o que faz o presidente da República? Acena com fantasmas do passado, com um discurso que seria mais adequado aos tempos da guerra fria. É uma tentativa de rasgar a história e impor ao limbo as lutas que vencemos e perdemos na retomada democrática do país, nas quais, eu e muitos brasileiros têm orgulho de ter participado ativamente deste processo que nos custou tantas vidas.

O presidente parece indiferente à qualquer senso crítico que o cargo exige. Em Washington, no lamentável espetáculo de subserviência em que prestou vassalagem a Donald Trump, Bolsonaro atirou contra o “velho comunismo”, que já não existe mais nem na China, exceto na retórica oficial de Pequim.

Depois do encontro que lá teve com seu guru Olavo de Carvalho, saiu em defesa das comemorações do 31 de março nos quartéis, provavelmente sob a influência do astrólogo-filósofo da Virgínia, mentor intelectual do bolsonarismo.

É mais que hora de tratar o regime militar (1964-1985) como página virada, um momento difícil na história nacional, pois centenas de pessoas foram mortas (de ambos os lados), torturadas, exiladas. As mazelas são bem conhecidas e jamais deverão ser esquecidas, mas faz parte do passado.

Felizmente, a postura presidencial mais constrangeu que excitou oficiais do Exército, da Marinha e da Aeronáutica: parcelas amplamente majoritárias da oficialidade se modernizaram e se profissionalizaram. A ‘comemoração’ do presidente constrangeu os militares da nova geração. Eles têm formação técnica, são humanistas, amam a pátria e acima de tudo, amam a democracia.

Os militares têm consciência das atribuições constitucionais das Forças Armadas na democracia, de defesa da pátria e garantia dos poderes constituídos. De seu papel central no desenvolvimento nacional e na manutenção da nossa soberania. Subordinadas ao poder civil.

A insensata intervenção do presidente, típica das antigas vivandeiras de quartéis – na inesquecível definição do marechal-presidente Castelo Branco, referindo-se aos civis que insuflavam as ambições militares -, só não teve maior repercussão porque, em paralelo, ele se meteu num inacreditável bate-boca com o presidente da Câmara dos Deputados sobre as responsabilidades de cada um deles na votação da reforma da Previdência.

Além disso, o próprio Bolsonaro recuou depois, ao trocar o verbo: não queria comemorar, mas “rememorar” o golpe de 64 – uma emenda que não melhorou o soneto.

O comportamento errático do presidente, sua constante conduta em zigue-zague, ameaça por em risco até mesmo a única iniciativa palpável de seu governo, a reforma da Previdência enviada ao Congresso, ainda que o projeto seja suscetível de muitos questionamentos por retirar direitos dos segmentos mais vulneráveis da população.

Mais governo e menos tuítes, mais seriedade e menos negligência. É o mínimo que o País espera do presidente. Basta de instabilidade e turbulência.

É hora de começar a governar, presidente.

*Luiz Claudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, é deputado estadual pelo PSB.

0 comentário

  1. Artigo perfeito. Romaneli sempre está à frente dos fatos. Esta matéria é um alerta ao povo paranaense. Parabéns. David cheriegate.

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