Na ditadura, a ordem para matar vinha de cima

O professor de Relações Internacionais da FGV Matias Spektor tornou público um documento estarrecedor, na última quinta-feira, que se for verdadeiro, muda a biografia do mais respeitado presidente do regime militar, responsável pela abertura política “lenta e gradual”. Trata-se de um memorando secreto, dos arquivos da CIA, a agência de inteligência do governo dos Estados Unidos, que revela autorização do ex-presidente Ernesto Geisel ( 1974-1979) para matar opositores ao regime militar no Brasil.

O relatório, enviado em 11 de abril de 1974 por William Colby, diretor da CIA entre 1973 e 1976, para o então secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, descreve um encontro de Geisel, o então chefe do SNI João Figueiredo e generais Milton Tavares e Danton Avelino, quando o primeiro passava ao segundo a chefia do Centro de Inteligência do Exército (CIE).

Segundo o documento, Geisel autorizou que o CIE desse continuidade à “política de execuções sumárias” adotadas durante o governo de Emílio Médici, centralizando a coordenação das ações no Palácio do Planalto, via Serviço Nacional de Informações (SNI). No encontro, o general Milton admite a execução de 104 pessoas pelo CIE durante o ano anterior.

Segundo o documento, Geisel afirma que a medida possuía “aspectos potencialmente prejudiciais” e pede um fim de semana para refletir. Em 1º de abril, Geisel concede permissão para continuar com as execuções, mas pede que “apenas subversivos perigosos” fossem mortos. Além disso, Geisel afirmou que os assassinatos só deveriam ocorrer após o chefe do SNI aprovar as execuções.

Como bem definiu o jornalista Clovis Rossi, em sua coluna na Folha de São Paulo, “a novidade, a chocante novidade, é que o porão ficava (também) no andar de cima. No mais alto andar da República, a própria Presidência.”

Rossi lembra que “quase todo o mundo no Brasil acomodou-se à ideia de que, sim, havia torturas, prisões clandestinas, mortes e outras violências, mas era melhor acreditar que se tratava de ações de um grupo de celerados de farda, não autorizadas pelo andar de cima.

Agora, a se acreditar no relatório da CIA, vê-se que o general Ernesto Geisel autorizou a execução de “subversivos perigosos”, o que introduz uma pitada aberrante ao que já era uma aberração. Cabia aos torturadores determinar quem era subversivo, primeiro, e perigoso, depois – conceitos subjetivos por natureza, mas levados à paranoia durante a ditadura.

Se um general-presidente mais moderado autoriza execuções, arrepia pensar o que diriam seus antecessores, considerados mais duros”.

A conclusão de Rossi é que do andar de cima ao porão toda a hierarquia foi cúmplice de um sistema abominável.

Um levantamento do G1 com base nos registros da Comissão Nacional da Verdade revela que oitenta e nove pessoas morreram ou desapareceram no Brasil por motivos políticos, a partir de 1º de abril de 1974 e até o fim da ditadura. Entre as vítimas desse período estão o jornalista Vladimir Herzog, assassinado em 25 de outubro de 1975 após se apresentar voluntariamente ao Centro de Operações de Defesa Interna e o metalúrgico Manoel Fiel Filho, que foi torturado até a morte, em 17 de janeiro de 1976, nas dependências do Destacamento de Operações de Informações (DOI) do II Exército, em São Paulo.

Em seu blog no G1, Hélio Gurovitz analisa que a centralização das decisões no Planalto era uma tentativa de segurar a linha-dura que queria prosseguir com a tortura e as execuções e não funcionou. “A tensão entre o Planalto e o grupo que comandava os porões persistiria até o fatídico 12 de outubro de 1977, quando Geisel demitiu o general Sylvio Frota do ministério do Exército e enfim se impôs à “tigrada”“.

Gurovitz pondera- e eu concordo totalmente- que é lamentável que o Brasil precise recorrer a arquivos americanos para conhecer detalhes de sua própria história. “É preciso abrir os arquivos e deixar a verdade vir a público. A luz do Sol, como diz a tão citada frase do juiz americano da Suprema Corte Louis Brandeis, continua a ser o melhor desinfetante”.

Em outras oportunidades, já manifestei minha indignação e repugnância aos que clamam por intervenção militar como solução para o Brasil, assim como abomino os descerebrados que defendem a tortura, o extermínio, o ódio, o fanatismo. Sigo firme na defesa da Democracia, da liberdade, da solidariedade, da tolerância e da igualdade. Ditadura, nunca mais!

Boa Semana! Paz e Bem!

*Luiz Cláudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, ex-secretário da Habitação, ex-presidente da Cohapar, e ex-secretário do Trabalho, é deputado pelo PSB.