O grande debate da semana foi a decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal adiando para o próximo dia 4 de abril a conclusão do julgamento do habeas corpus preventivo do ex-presidente Lula.
Com a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que condenou Lula há 12 anos e 1 mês em regime fechado, o Juiz Ségio Moro, se entender conveniente (a decisão é dele) não poderá decretar a prisão do ex-presidente após esta segunda-feira (26), quando o TRF4 julgará o recurso da defesa contra a condenação. Na prática, Lula ganhou algum tempo e recebeu um salvo-conduto que o impede de ser preso até que o Supremo tome uma decisão final.
Imediatamente após a decisão instalou-se um clima de torcida de futebol, uma espécie de Atletiba jurídico, uma onde de indignação condenando os juízes do STF por um lado e outros comemorando o salvo conduto dado a Lula. O país continua divididos entre nós x eles, infelizmente.
Essa é uma discussão que seria desnecessária não fosse a decisão do próprio STF, que em 2016 mudou a jurisprudência e, ao arrepio da Constituição, passou a permitir prisão a partir da decisão de segunda instância. Foi claramente um entendimento que viola a presunção da inocência com o objetivo de atender à pressão de grupos organizados que apoiam a operação Lava Jato e dos veículos de comunicação.
Foi naquele momento, em fevereiro de 2016- e não na ultima quinta-feira- que o Supremo apequenou-se.
A pretexto de se interpretar a Constituição negou-se vigência a uma garantia do cidadão. A partir dai não se presume a culpa até o trânsito em julgado, mas sim até o julgamento em segunda instância. O Supremo simplesmente mudou a regra constitucional, assumiu função do Congresso Nacional e legislou.
Nossa Constituição é clara: “Art. 5. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.
“LVII- ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”;
O princípio da presunção de inocência é um dos princípios basilares do Estado de Direito, responsável por tutelar a liberdade dos indivíduos.
Em 2016, ao mudar seu entendimento, o STF não só ignorou o texto expresso da Constituição Federal, como também os tratados internacionais que o país subscreveu.
O tema ganhou relevância a partir da Declaração dos Direitos Humanos, da ONU, em 1948, para a qual “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa” (art. 11). Com a Declaração dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos, em 1971, o princípio da presunção de inocência ganhou repercussão e importância universal.
O Brasil também anuiu à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, mais conhecido como Pacto de São José da Costa Rica, que estabeleceu em seu art. 8º, I, o Principio da Presunção de Inocência, ao afirmar que: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.
E correta a análise de Alamiro Velludo Salvador Netto, professor titular do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Para ele, ”esse debate que agora está sendo equivocadamente vinculado de maneira exclusiva ao ex-presidente Lula, no fundo, é sobre qual o limite do poder do Estado brasileiro para começar a punir uma pessoa. Existe uma série de pessoas no Brasil que estão cumprindo penas antecipadas, a meu ver, de forma contrária à Constituição. Não dá para pautar um debate extremamente relevante como este como se fosse um favor para este ou aquele. O que está se discutindo são os limites do poder de punir do Estado, que é a razão da existência do sistema criminal desde o século 18”, disse ele em entrevista ao jornalista Leonardo Sakamoto.
Para resolver o imbróglio criado pelo STF, há duas possibilidades: ou o próprio STF revê seu posicionamento ou o Congresso aprova uma PEC alterando a Constituição.
Nessa época em que as garantias individuais estão sendo lavadas a jato pela espetacularização do processo penal, a única solução para resolver a questão seria a aprovação de uma Proposta de Emenda a Constituição, para modificar o texto constitucional prevendo que havendo duplo pronunciamento com o crivo do tribunal de justiça ou do tribunal federal, após não caber mais recursos nesses tribunais, tem-se o trânsito em julgado.
Esta proposta é defendida pelo ministro Marco Aurélio Mello e também foi proposta pelo ex-ministro Cezar Peluso em 2011, mas que, no entanto, não prosperou.
Para Marco Aurélio, a mudança seria uma solução para a característica de “recursos sucessivos” que enfrenta a justiça brasileira no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no STF. “Se o nosso sistema enseja recursos sucessivos, devemos modificar o sistema, não o colocar em segundo plano”, disse o ministro, que defende que seja respeitado o princípio da presunção da inocência, em entrevista ao Broadcast Político.
Voltando ao caso Lula, em 4 de abril, quando o Supremo retomar o julgamento, há três possibilidades de desfecho: uma maioria votar por conceder o habeas corpus a Lula, o que resultaria em ainda mais fôlego para o presidente permanecer em liberdade; ou a rejeição do pedido, o que deixaria o ex-presidente novamente a um passo de ser preso.
Há também a possibilidade de que algum ministro peça vistas para analisar o caso e a liminar pode continuar a valer além de 4 de abril, dando mais fôlego ao ex-presidente.
Boa Semana! Paz e Bem!
*Luiz Cláudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, ex-secretário da Habitação, ex-presidente da Cohapar, e ex-secretário do Trabalho, é deputado pelo PSB e líder do governo na Assembleia Legislativa do Paraná. Escreve às segundas-feiras sobre Poder e Governo.