A criminalização da política, e a malandragem da delação

Luiz Cláudio Romanelli*

“Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”. Winston Churchill

Há algum tempo, escrevi sobre a espetacularização das delações e fiz um alerta sobre o perigo das generalizações. Da maneira como os acordos de colaboração vêm sendo feitos e o conteúdo das delações seletivamente vazado, há efetivamente um risco de que todos os políticos sejam jogados na vala comum.

A mídia tem tido papel especial e relevante para disseminar a ideia de que todos ou quase todos políticos não prestam. A palavra dos delatores passou a ser verdade absoluta e a ter valor de sentença. No final das contas, o delator recebe uma pequena punição e vai usufruir dos benefícios de sua “pena” em seu apartamento de cobertura ou em sua mansão a beira mar, adquiridos obviamente com o dinheiro que desviou, usando ou não uma tornozeleira.

Já o delatado vira inimigo público, execrado e exposto a todo tipo de humilhação. Reputações estão sendo assassinadas diariamente sem provas ou julgamento formal, apenas com base na palavra de delatores e no noticiário das tevês, rádios, jornais e sites- repercutidos nas redes sociais.

Hoje em dia ficou fácil lançar na lama o nome de qualquer pessoa. Os que tiveram seus nomes lançados nesse pântano da desconfiança não tiveram nem o direito de defesa, são condenados previamente pela mídia e pela opinião publica, facilmente manipulada pelo bombardeio do noticiário.

A mesma mídia que condena previamente não faz, porém, um esclarecimento, que seria banal, se aqui se praticasse um jornalismo sem viés persecutório: delator é criminoso e ele não cumprirá pena em função do acordo de delação.

Até que ponto a delação é confiável e não fruto de uma combinação prévia, uma delação combinada? Até que ponto é ou não fruto do desespero de alguém encarcerado e que delataria até a mãe para se livrar das grades?

Essa é uma pergunta necessária- e que a grande mídia não faz- especialmente depois das delações dos executivos da Odebrecht, premiados com indenizações milionárias por parte da empresa. É uma questão a ser aprofundada, principalmente depois das delações dos irmãos Batista e a descoberta da participação de um procurador da república que atuava nos dois lados do balcão, braço direito do então procurador geral Rodrigo Janot, na negociação do acordo que quase resulta em imunidade total para os donos da JBS (aliás já apareceu um segundo procurador).

Empresários desviam dinheiro do erário em conluio com os responsáveis pela gestão e fiscalização de obras públicas, e claro, viram delatores e vão desfrutar o bem público desviado.

Não tenho duvidas que as delações são importante instrumento para descobrir o caminho da corrupção, desde que corroboradas por provas.

Acredito que os critérios para firmar acordos de colaboração precisam ser mais bem avaliados e definidos, porque da maneira como estão sendo feitos resultam principalmente numa premiação para os criminosos.

O lugar de quem desvia recursos públicos é a cadeia. As penas até podem ser diminuídas se o delator-criminoso comprovar a participação de outros, mas não é moral nem legitimo nem decente simplesmente livrar da cadeia réus confessos. Especialmente num pais onde as cadeias estão abarrotadas de ladrões de galinha ou de presos que nem sequer foram julgados. Ou ainda que estejam lá por fazerem parte do que se convencionou chamar de “ppp”.

Também considero que a divulgação espetacularizada das delações traz outra consequência danosa, ao criar na população a expectativa de que haverá punição rigorosa para os envolvidos. Para o delator, já se sabe que não haverá, ou se houver, será uma punição extremamente branda em relação ao crime cometido. E em relação ao delatado, a condenação vai depender de provas. A “convicção da culpa” não basta para condenar alguém. É preciso provar que o crime foi cometido.

O processo penal, porém, se tornou midiático e politico. A mídia jogou o rito legal as traças e promove o linchamento moral dos políticos.

A quem interessa a criminalização da politica e o desprezo aos partidos políticos? A quem interessa a politica colocada sob o juízo da Justiça e de uma imprensa claramente tendenciosa?

Para os que acham que a política será renovada e no lugar dos atuais serão colocados os que se consideram farinha de ostia, é sempre bom combinar com o povo antes.

O que acontece com parte da imprensa brasileira- que execra antes de apurar corretamente e que se arroga o papel de oposição- não é algo novo. Aconteceu nos anos 30, na Inglaterra, quando parte da imprensa resolveu exercer o papel de oposição, numa tentativa de usurpar o papel dos políticos, legitimamente eleitos para fazer politica.

A reação do premiê Stanley Baldwin não tardou. “Alguns jornais não são jornais no sentido estrito da palavra, mas motores de divulgação de mutantes ideias, caprichos, gostos, simpatias e antipatias de seus proprietários. O que esses donos estão buscando é o poder sem responsabilidade, algo que ao longo da história foi prerrogativa das prostitutas”, disse Baldwin.

Apenas para lembrar, já aconteceu por aqui também. Na véspera do Golpe de 64, as manchetes dos principais jornais cariocas bradavam “Basta”, “Fora”, referindo-se ao governo do presidente João Goulart. E deu no que deu.

Numa democracia, fazer politica é para partidos e políticos legitimamente eleitos pelo voto popular. Não é para promotores, procuradores, juízes, desembargadores ou ministros do STF ou STJ, que ultimamente resolveram deitar falação e palpitar sobre politica e modelos de negócios e de estado.

Não há democracia sem partidos políticos. A essência da democracia reside na garantia dos principais direitos de liberdade, na existência dos partidos políticos, em eleições periódicas e no voto universal, o resto pode ser qualquer coisa, menos democracia.

Boa Semana! Paz e Bem!

*Luiz Cláudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, ex-secretário da Habitação, ex-presidente da Cohapar, e ex-secretário do Trabalho, é deputado pelo PSB e líder do governo na Assembleia Legislativa do Paraná.