O estado espetáculo

Luiz Claudio Romanelli*
“Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma”. (Joseph Pulitzer)
O depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao juiz Sergio Moro foi aguardado e noticiado pela mídia em clima de final de Copa do Mundo ou luta do UFC.
Lula versus Moro, o espetáculo do ano na Republica de Curitiba, gerou discursos inflamados sobre as hordas hunas invasoras que iriam vandalizar a cidade. Os bandidos, os black bloks, os vagabundos vão atacar os cidadãos de bem, alertaram os porta-vozes que representam a direita xucra, como a qualifica o jornalista Reinaldo Azevedo- antipetista declarado e juramentado.
O juiz Moro deixou por um momento a imparcialidade que tem procurado demonstrar e gravou um vídeo para as redes sociais pedindo aos apoiadores da Lava Jato para não virem a Curitiba sob o argumento de que “não quero que ninguém se machuque em eventual discussão ou conflito nessa data” (sic).
Contaminada pelo clima de fim do mundo, a cidade delimitou espaços para segregar manifestantes, conseguiu interdito proibitório para proibir acampamentos, preocupados com confrontos e conflitos, as autoridades de segurança mobilizaram aparato policial digno de uma operação antiterrorismo.
Os arautos do apocalipse frustraram-se. Não houve nenhuma vitrine depredada, nenhuma briga na rua, nenhuma ocorrência policial relevante. A manifestação pró-Lula foi absolutamente pacifica e as pró-lava Jato simplesmente não existiram.
Liberados os vídeos do depoimento, foi possível constatar um tratamento respeitoso entre as partes e a tentativa do juiz de inquirir o ex-presidente sobre temas alheios ao processo. A maioria das perguntas que o juiz fez a Lula não tinha relação com o processo, e tinha o claro objetivo de fazer com que o ex-presidente respondesse sobre temas que não eram objeto específico desta investigação.
Lula não se saiu mal, foi irônico em vários momentos e ao final do depoimento ficou claro que os procuradores não conseguiram produzir uma prova cabal de que Lula é o dono oculto do apartamento.
Aliás para mim está claro que o dono da OAS, Leo Pinheiro, tentou dar de presente ao ex-presidente o famoso triplex, padrão Minha Casa Minha Vida (são três pequenos apartamentos de 70 metros) e Lula não aceitou, por qual razão não sabemos.
Nem Lula deu um show que os petistas esperavam nem Moro conseguiu arrancar uma frase que fosse que incriminasse o ex-presidente.
Deu empate, então? Obviamente que não. Lula fugiu das perguntas do juiz e, inclusive, conseguiu constranger Moro em alguns momentos como, por exemplo, no dialogo que reproduzo abaixo:
Moro: O senhor não sabia dos desvios da Petrobras?
Lula: Ninguém sabia dos desvios da Petrobras. Nem eu, nem a imprensa, nem o senhor, nem o Ministério Público e nem a PF. Só ficamos sabendo quando grampearam o Youssef.
Moro: Mas eu não tinha que saber. Não tenho nada com isso.
Lula: Tem sim. Foi o senhor quem soltou o Youssef. O senhor deve saber mais que eu [referindo-se ao escândalo do Banestado].
Ou nesse outro momento:
Moro: Senhor ex-presidente, você não sabia que Renato Duque roubava a Petrobras?
Lula: Doutor, o filho quando tira nota vermelha, ele não chega em casa e fala: “Pai, tirei nota vermelha”.
Moro: Os meus filhos falam.
Lula: Doutor Moro, o Renato Duque não é seu filho.
O ex-presidente não se intimidou diante das perguntas do juiz sobre temas fora do processo, ou correlatas, e não fez afirmações que pudessem incrimina-lo. Para os lulistas, Lula saiu vencedor nesse embate. Já para os antipetistas e apoiadores da operação lava jato, o juiz Moro saiu-se vencedor. Agora uma coisa é certa: Lula saiu-se vitorioso nas ruas. Depois de cinco horas de depoimento, foi falar ao povo na Praça Santos Andrade, onde segundo as estimativa sete mil pessoas o aguardaram a tarde inteira.
“Eu não quero ser julgado por interpretações, eu quero ser julgado por provas”, disse Lula. “Hoje, pensei que meus acusadores fossem mostrar uma escritura, um documento, algo que provasse [que o apartamento tríplex no Guarujá é de fato dele]. Esperava que depois de dois anos de massacre tivesse algo. Mas só ficaram perguntando se eu conheço João Vaccari, se conheço Leo Pinheiro. É lógico que eu conheço, e não tenho vergonha de quem eu conheço”. “Haverá um momento que a história irá mostrar que nunca antes na história do Brasil alguém foi tão massacrado quanto eu estou sendo nos últimos anos. Quero estar vivo para ver esse momento”.
Se o depoimento de Lula e as manifestações de rua, pacificas e ordeiras, frustraram os que apostavam num enfrentamento com consequências imprevisíveis, triste foi ver as manchetes dos jornais no dia seguinte e a cobertura das tevês, especialmente da Globo. Como não era possível dizer que Moro massacrou Lula e comprovou que o tríplex é dele, partiram para a versão de que Lula incriminou a falecida esposa. Quanta manipulação e quanta desfaçatez!
Agora a mídia (leia-se Organizações Globo) partiram para a fase mais virulenta de ataques baseados em depoimentos dos delatores, Monica Moura e João Santana. Onde chegaremos com isso e por onde caminhará a nossa economia e democracia, só Deus sabe.
Provavelmente o juiz Moro condenará Lula nesse processo, mas se o fizer não será baseado em provas, mas sim em convicção, e aprendi na faculdade de Direito que no Direito Penal são necessárias provas e ficar baseado no powerpoint do procurador Deltan e na palavra dos delatores, ao arrepio da lei, a mim parece um pisoteamento do devido processo legal.
Uma coisa clara: todo esse processo mexeu bastante com a autoestima do povo. O povo passou a ter um certo interesse de falar em política. Talvez a partir daqui tenha um consciência maior. Esse é o cidadão do futuro que a gente busca, que é antenado e que não fica aceitando tudo goela abaixo.
Boa Semana! Paz e Bem!
*Luiz Cláudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, ex-secretário da Habitação, ex-presidente da Cohapar, e ex-secretário do Trabalho, é deputado pelo PSB e líder do governo na Assembleia Legislativa do Paraná. Escreve às segundas-feiras sobre Poder e Governo.