O processo penal lava a jato

Luiz Claudio Romanelli*

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A semana que se inicia promete ser quente em Brasília. Obviamente não pelas condições meteorológicas, mas pela efervescência dos fatos políticos. A semana terminou com a demissão do ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, abatido pelas revelações das traficâncias de influência feitas ao ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero. De escândalo em escândalo, o governo do presidente Michel Temer esta literalmente se desmanchando. Foram demitidos seis ministros em seis meses de governo.

Se acabou mal, a semana recomeça com o acirramento de ânimos entre integrantes da magistratura e ministério público com o legislativo por conta da votação do substitutivo do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) ao projeto com as medidas anticorrupção. E a quarta versão do relator, depois de idas e vindas, lobbies e pressões.

Originalmente elaboradas pelo Ministério Público Federal, as dez medidas contra a corrupção suscitaram polêmicas desde sua apresentação. Embora bem intencionada – verdade que o inferno tá cheio de bem intencionados-, a proposta dos procuradores da Lava Jato foi recebida com desconfiança pelos juristas, por conter varias medidas questionáveis do ponto de vista constitucional. Entre elas, a aceitação de provas obtidas por meio ilícito, a restrição do habeas corpus, a criação da figura do “reportante” e de comissões para recebimento de denúncias de corrupção e o teste de integridade no serviço publico.

Outro questionamento pertinente e que já tramita no Congresso Nacional, o projeto de lei 8.045/2010, mais abrangente sobre a reforma do Código de Processo Penal, exaustivamente debatido e que está em sintonia com os princípios constitucionais que devem orientar o processo penal em um regime democrático.

Para quem se interessar, recomendo a leitura do boletim especial do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais que traz artigos de renomados juristas e professores de Direito Penal, analisando em profundidade o projeto dos procuradores da Lava Jato e apontando seus equívocos e acertos.

Na minha opinião, a iniciativa dos procuradores, em sua essência, deve ser elogiada, pois uma sociedade menos corroída pelo mal da corrupção é um anseio comum. O que me preocupa é a maneira pela qual se pretende enfrentar a corrupção já que algumas das propostas representam um retrocesso punitivista do sistema penal, seja por importação de institutos jurídicos estrangeiros, seja por alterações legais que afrontam garantias constitucionais como a presunção de inocência, As 10 medidas, alertam os criminalistas, institucionalizam o processo penal da Lava Jato, rompendo com garantias constitucionais e com princípios fundamentais do direito penal.

Nos últimos dias, a polêmica da vez é a possibilidade de os deputados “anistiarem” o caixa dois e a retirada pelo relator da previsão de que juízes e integrantes do ministério público possam responder por crime de responsabilidade.

Creio que há muita desinformação e mistificação quando se fala em anistiar o caixa dois eleitoral. Não pode haver anistia para um crime não tipificado. O que o texto propõe é exatamente tipificar o crime de caixa dois. E preciso ler e entender o que está sendo proposto: penas mais duras para peculato, enriquecimento ilícito, corrupção ativa e passiva, entre outros crimes.

Sobre a exclusão da tipificação de crimes de responsabilidade para juízes e procuradores acredito que é um desserviço o lobby que tem sido feito junto ao relator do projeto de medidas de combate à corrupção, Se a presidente da Republica sofreu impeachment com base em crime de responsabilidade, por que juízes, procuradores e promotores não podem ser responsabilizados por eventuais crimes? Será que há o receio de serem punidos pelos seus próprios pares pelo abuso de autoridade que cometem? Todos são iguais perante a lei, ninguém esta acima da lei, ou não deveria estar.

As 12 propostas que constam do parecer do relator podem ser conferidas no site da Câmara dos Deputados:

Medida 1 – Prevenção à corrupção, transparência e teste de integridade

Prevê a aplicação de teste de integridade no serviço público, sem consequência penal, no âmbito administrativo. O objetivo é flagrar o servidor em algum ato de corrupção.

Medida 2 – Crime de enriquecimento ilícito de funcionários públicos

Torna crime o enriquecimento ilícito de servidores, além de prever o confisco dos bens relacionados ao crime.

Medida 3 – Aumento das penas e inserção de tipos na Lei de Crimes Hediondos

Eleva a pena para diversos crimes, incluindo estelionato, corrupção passiva e corrupção ativa. Esses delitos serão considerados hediondos quando a vantagem ou prejuízo para a administração pública for igual ou superior a cem salários mínimos vigentes à época do fato.

Medida 4 – Aperfeiçoamento do Sistema Recursal Penal

Regulamenta o pedido de vista, que é o prazo adicional pedido por um juiz para analisar um processo antes de proferir o seu voto.

Medida 5 – Agiliza a tramitação da ação de improbidade administrativa

Altera o procedimento da ação de improbidade, eliminando a fase de notificação preliminar e o recebimento da ação de improbidade. A notificação consiste em intimar o réu pessoalmente e, depois, fazer a citação pessoal para a instauração do processo, o que, para o relator, constitui “verdadeiro obstáculo à celeridade na tramitação das ações”. Prevê a realização de acordo de leniência com pessoas físicas e jurídicas no âmbito dos atos de improbidade.

Nesse tipo de acordo, o investigado, em troca de redução de sanção, colabora para o esclarecimento dos fatos e indica provas. Nos casos em que a prática do ato de improbidade administrativa também configurar infração penal, a legitimação será feita exclusivamente pelo Ministério Público. O acordo será celebrado apenas com quem quiser colaborar primeiro.

Medida 6 – Ajustes na prescrição penal

Prevê mudanças na lei para dificultar a ocorrência da prescrição de penas, que é quando o processo não pode seguir adiante porque a Justiça não conseguiu conclui-lo em tempo hábil.

Medida 7 – Prova Ilícita e Nulidades Processuais

O relator não acatou sugestão do Ministério Público para que provas ilícitas fossem consideradas válidas, mas sugeriu mudar o Código de Processo Penal para especificar que prova será considerada ilícita se tiver sido obtida em violação a direitos e garantias constitucionais ou legais.

Medida 8 – Responsabilização dos partidos políticos e tipificação do caixa dois eleitoral

Os candidatos que receberem ou usarem doações que não tiverem sido declaradas à Justiça eleitoral irão responder pelo crime de caixa dois, com pena de dois a cinco anos de prisão. O texto prevê multas para os partidos políticos.

Medida 9 – Multa aos bancos por descumprimento de ordem judicial

Prevê multa aos bancos que demorarem para liberar dados em descumprimento de ordem judicial.

Medida 10 – Ação de extinção de domínio e perda ampliada

Com o objetivo de recuperar o lucro do crime, o texto prevê o chamado “confisco alargado”, em casos como o de crime organizado e corrupção para que o criminoso não tenha mais acesso ao produto do crime para que não continue a delinquir e também para que não usufrua do produto do crime.

Medida 11 – Reportante

Dá amparo legal para quem fizer denúncias em defesa do patrimônio público e a probidade administrativa, além de questões relacionadas a direitos humanos, sistema financeiro e prestação de serviços públicos, entre outros tipos.

Medida 12 – Acordo penal

Permite a realização de acordos entre defesa e acusação no caso de crimes menos graves, com uma definição de pena a ser homologada pela Justiça. O objetivo é tentar simplificar os processos.

Cada um que julgue, analise, e manifeste a sua opinião, afinal tem muita coisa em jogo na nossa frágil democracia.

Paz e bem e ótima semana a todas e todos.

*Luiz Cláudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, ex-secretário da Habitação, ex-presidente da Cohapar, e ex-secretário do Trabalho, é deputado pelo PSB e líder do governo na Assembleia Legislativa do Paraná. Escreve às segundas-feiras sobre Poder e Governo.