“Cria corvos e eles te arrancarão os olhos” – provérbio espanhol
Luiz Claudio Romanelli*
Embora por mínima diferença de votos, o governo Michel Temer (PMDB) sofreu sua primeira derrota na Câmara dos Deputados. Na quarta-feira, 6, o plenário do legislativo rejeitou o requerimento de urgência ao projeto de lei de Temer que propõe o alongamento das dívidas de Estados com a União por 20 anos. Para ser aprovado, o requerimento precisava do voto favorável de 257 deputados federais, mas obteve 253 votos.
A negociação das dívidas depende de um ajuste fiscal de estados e municípios, que se comprometem, entre outras ações, a cortar gastos, aumentar a contribuição previdenciária de servidores e reformar os regimes jurídicos dos servidores nos moldes do que já ocorre na esfera federal.
Os estados terão também de desistir de ações judiciais e, enquanto elas tramitarem, a União não poderá conceder garantia a operações de crédito pedidas pelos estados que contestam na Justiça os contratos originais.
A derrota do regime de urgência revela que não será nada fácil aprovar o tão prometido ajuste fiscal e o projeto de emenda constitucional fixando teto de crescimento do gasto público, nos próximos 20 anos, limitando-o à inflação do ano anterior, para os governos federal, estaduais e municipais. A reação ao projeto mostra a resistência que Temer terá no Congresso a três pontos essenciais do ajuste fiscal: congelamento dos gastos públicos, reforma previdenciária e privatizações.
A análise da jornalista Tereza Cruvinel, a qual abro aspas, diz o seguinte: “o que produziu as primeiras dissidências na base governista foi, principalmente, uma medida testadora. Através do relator, Esperidião Amin, o governo incluiu na proposta de renegociação (originária do governo Dilma) um artigo replicando o teto de aumento do gasto, para os governos estaduais, por um período de dois anos. A oposição reagiu e a base baixou o quórum, levando o governo a tentar votar apenas a urgência. Perdeu. Precisava de 257 votos, teve 253. Entre os dissidentes, oito deputados do PMDB de Temer, que agora vai conhecer melhor o caráter de seu partido”.
Há quem diga, inclusive, que a derrota foi manobrada pelos líderes do “centrão”, em retaliação pela demora nas nomeações para ocupação dos cargos federais.
A rejeição do regime de urgência em Brasília trará impactos nos Estados, que aguardam o resultado da votação do projeto de lei complementar 257 para votarem os projetos de lei orçamentária para 2017. É o caso do Paraná.
No Paraná, a Assembleia Legislativa adiou o recesso parlamentar previsto para iniciar no próximo dia 18 de julho e só votará a Lei de Diretrizes Orçamentárias, após a votação, pelo Congresso Nacional, tanto da PEC 241/2016, instituindo um novo regime fiscal no âmbito da União, e do PLP 257/2016. De nada valerá votar nossa LDO se tivermos de fazer alterações mais tarde, adequando o orçamento do Estado ao que for aprovado pelo Congresso.
Aliás em relação ao reajuste da data-base previsto em lei para os servidores públicos estaduais, não existe a menor possibilidade dele não ocorrer em 2017.
O que está em discussão é dar prioridade para implantar e pagar as promoções e progressões que estão atrasadas.
Embora demonstre que a base de Temer na Câmara não é tão firme como se supunha, a derrota do governo na votação do projeto 257 virou café pequeno diante do grande fato político da semana. Antes tarde do que nunca, o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) renunciou à presidência da Câmara. Ele estava afastado da presidência desde 5 de maio por decisão do Supremo Tribunal Federal, que também suspendeu o seu mandato parlamentar por tempo indeterminado.
Depois de negar três vezes, ele finalmente renunciou, numa estratégia para tentar ganhar tempo e reverter o processo de cassação. O processo está na Comissão de Constituição e Justiça, onde o relator recomendou que retorne ao Conselho de Ética para ser extinto. Cunha perdeu os anéis, mas manteve os dedos e articula para manter o mandato. É bem possível que consiga.
Com a renúncia, as duas ações penais a que ele responde no Supremo Tribunal Federal devem ser julgadas pela Segunda Turma da Corte e não mais pelo plenário, composto por 11 ministros. Isso porque de acordo com o Regimento Interno do STF, o plenário é responsável pelo julgamento de ações envolvendo presidentes da Câmara e do Senado. No caso dos demais parlamentares, cabe às duas turmas, cada uma composta por cinco ministros, a análise de processos envolvendo deputados e senadores.
A Segunda Turma é formada pelos ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Teori Zavascki.
Na Câmara, o presidente em exercício Waldir Maranhão (PP-MA), terá prazo de até cinco sessões para realizar uma eleição para preencher o cargo até fevereiro de 2017, quando acabaria o mandato de Cunha na presidência.
Nas rodas políticas, os mais cotados para assumir a presidência da Câmara são Rogério Rosso (PSD-DF), Heráclito Fortes (PSB-PI) e Rodrigo Maia (DEM-RJ). Rosso, aliado de Cunha, aparece como favorito.
Sobre a renúncia de Cunha, uma das melhores análises que li é a do jornalista Hélio Gurovitz, em artigo intitulado “Algo mudará sem Cunha?”. Para o articulista, “Cunha foi vítima de si mesmo, de sua própria ganância e sede de poder, que o cegou para o próprio ridículo.
Soube como ninguém se beneficiar das regras torpes que regem nossa política corrupta, movida por interesses espúrios e pelo toma-lá-dá-cá. Sua queda não muda nada disso – nem o caráter vexaminoso de uma Câmara dos Deputados que, muito provavelmente, continuará a envergonhar o Brasil”.