Não se queixe ao bispo

“Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além”
Paulo Leminski ‎

Na semana passada, a Assembleia Legislativa aprovou projeto de minha autoria que cria o Livro de Reclamações do Consumidor, que deverá ser obrigatoriamente instituído em todos os estabelecimentos de fornecimento de bens ou prestação de serviços do estado.

É uma inovação como instrumento de defesa dos direitos dos consumidores, que poderão registrar suas queixas imediatamente, dando mais rapidez e eficiência da resolução dos conflitos entre os consumidores e os fornecedores.

Devo ao meu professor na faculdade de direito – desembargador Jorge Vargas -, a sugestão de apresentar o projeto de lei, que por sua vez o fez por inspiração do jurista português Mário Frota.

O Livro de Reclamações foi inicialmente instituído na indústria hoteleira de Portugal. Em 1999, uma lei o estabeleceu nos serviços da administração pública de atendimento aos cidadãos. Alguns anos depois, em 2005, o sistema foi ampliado para todas as atividades econômicas do país.

No Brasil, o Rio de Janeiro foi pioneiro na sua instituição, através de lei promulgada em 2013 e que passou a vigorar em 2014.

Acredito que a criação do Livro de Reclamações vai mudar o atendimento aos consumidores no Estado, pois garantirá o direito de reclamar, no ato da insatisfação. É um poderoso meio de pressão sobre as empresas para que atendam, na hora, os direitos dos consumidores.

Com isso, o fornecedor ou prestador de serviço, certamente, fará o possível para resolver o conflito, atendendo a reclamação para evitar o registro no livro. Hoje, a maior parte dos consumidores deixa de reclamar, por falta de tempo para ir ao Procon e convive com situações abusivas.

De acordo com o projeto, os estabelecimentos deverão disponibilizar aos clientes o Livro de Reclamações para que as queixas sejam formuladas na hora. As reclamações serão registradas no livro em três vias: uma será enviada ao Procon em, no máximo, 30 dias após seu preenchimento; outra via ficará com o consumidor e, a terceira com o estabelecimento.

Após o preenchimento da folha de reclamação, o fornecedor ou prestador de serviços tem a obrigação de destacar a 1ª via que deve ser remetida ao Procon. Os fornecedores de bens e serviços também deverão fixar no estabelecimento, em local bem visível, um letreiro com a seguinte informação: “Este estabelecimento dispõe de livro de reclamações”.

O consumidor é quem deverá preencher todos os campos relativos à sua identificação e endereço e descrever de forma clara e completa os fatos que motivam a reclamação.

O projeto prevê que o Poder Executivo terá um prazo de 90 dias para definir o modelo do Livro de Reclamações e as regras relativas à sua edição e venda.

Nas discussões sobre o projeto, houve quem ponderasse: mas num mundo onde a Internet nos conecta em tempo real, por que fazer um livro de reclamações em papel?

Porque quanto mais instrumentos o consumidor tiver para fazer valer seus direitos, melhor.

Houve um tempo, distante – ainda bem – em que o consumidor insatisfeito muitas vezes ouvia: vá se queixar ao bispo. A expressão é resquício dos tempos coloniais e da inquisição, em que era competência dos bispos realizar devassas, tomar depoimentos e arrancar confissões, inclusive mediante tortura. O bispo era a lei.

Hoje, felizmente, temos vários meios para exigir o respeito aos nossos direitos de consumidores. O Livro de Reclamações será um deles, mas com mais eficácia do que um desabafo nas redes sociais, um telefonema para a empresa ou o registro da queixa em sites porque a insatisfação será registrada no ato, cara a cara e ficara devidamente anotada no estabelecimento a disposição dos consumidores e clientes e dos órgãos de fiscalização. Quem não disponibilizar o livro corre o risco de interdição ou encerramento temporário de suas atividades.

Reclamar é um direito do consumidor, é um exercício legitimo da cidadania, mas que nem sempre é praticado pelas dificuldades impostas para que a queixa chegue a quem de direito e as providências necessárias sejam tomadas para a resolução do conflito.

Se ficar insatisfeito, não deixe pra lá, nem leve o desaforo pra casa, nem vá se queixar ao bispo: peça o livro de reclamações e registre seu descontentamento.

*Luiz Cláudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, ex-secretário da Habitação, ex-presidente da Cohapar, e ex-secretário do Trabalho, é deputado pelo PMDB e líder do governo na Assembleia Legislativa do Paraná.